Proibição da Capoeira

Posturas da Câmara Municipal, datado de 1850, e que trata, em seu artigo 151, da proibição dessa luta. O enunciado do artigo é o seguinte: “ Toda a pessoa que nas praças, ruas, casas públicas, ou em qualquer outro lugar tão bem público praticar ou exercer o jogo denominado de Capoeiras ou qualquer outro gênero de luta,  sendo  livre  será  preso por dois dias, e pagará  dois mil reis de multa, e sendo cativa será preso, e entregue a seu senhor para o fazer castigar naquela com vinte cinco açoites e quando não faça sofrerá o escravo a mesma pena de dois dias de prisão e dois mil réis de multa” [1].
Desse  texto  legal  se  depreende  que  os legisladores  sorocabanos,  que refletiam  a  mentalidade  da  classe  dominante, conheciam da  existência  da capoeira e  que a mesma era  (ou poderia ser) praticada por brancos e negros, homens livres e escravos; não sendo, portanto, exclusividade de uma classe específica.Outro aspecto importante é que a prática da capoeira já estava  relacionada  com  o aspecto lúdico,  eis  que  era  conhecida  como jogo,  embora  fosse  reconhecida  como luta conforme  explicita  o  próprio texto  da lei: “...ou  qualquer  outro  gênero  de  luta...”. Também é interessante  notar  que a intenção de punir era irrestrita (não obstante as punições aos homens livres fossem mais brandas), o que pode significar que a prática da capoeira  era  considerada nociva não somente  porque  dela  poderia se  utilizar o  escravo a fim de combater a opressão.  Desse modo  é questionável até mesmo a concepção  de  que a capoeira  tenha servido exclusivamente de luta do escravo pela sua libertação.
As leis  municipais de  Sorocaba  repressivas  à prática  da  capoeira  continuaram  sendo  editadas nas Posturas Municipais durante as décadas subseqüentes. Em 1865 o tópico referente à proibição da capoeira figurou no artigo 127:

“Toda e qualquer pessoa que em praças, ruas, ou outro qualquer lugar exercer o jogo denominado capoeiras, ou qualquer outra luta, será multado em 4$ e dois dias de prisão [2]”.
O texto mais sucinto e genérico não discrimina os participantes do jogo da capoeira, nem mesmo distingüe a penalização, permanecendo, no entanto, a concepção da prática como jogo. Em 1871, o artigo 73 do Código de Posturas da Cidade de Sorocaba apresenta o seguinte texto: Em 1871, o artigo 73 do Código de Posturas da Cidade de Sorocaba apresenta o seguinte texto:

Jogar capoeiras ou qualquer genero de luta em publico: penas, 4$ de multa e 2 dias de prisão [3]”.
Já em 1882 o termo “capoeiras” deixa de figurar no texto legal:

“Art. 72. É prohibido  jogar  pelas  ruas  e  lugares públicos  qualquer  espécie de jogos ou luta, os infractores incorrerão na multa de vinte mil réis e cinco dias de prisão”. [4]

A imprensa sorocabana do século XIX registrou inúmeros  eventos relativos a valentões e desordeiros, algumas evidências a lutas, sem que houvesse, entretanto, uma descrição clara desses eventos e que indicasse nomes de capoeiristas. Uma notícia interessante, colhida no Diário de Sorocaba, em 1887, diz:
"Carteira da Polícia À ordem do sr. delegado de polícia, foi a 16 do corrente recolhido à cadeia João  de  Almeida, vulgo Brizolla,  por  provocar desordens.

— À mesma ordem, no mesmo  dia  e  pelo  mesmo  motivo  foi  recolhido  o  preto  Antônio  José da Silva, que trouxe mais agravante de, no corredor do mosteiro de São Bento fazer um grande rolo.

Ahi está no que dão os valentões" [5]. A palavra rolo, que os dicionários  atuais apresentam como  sendo s inônimo  de confusão ou perturbação da ordem, era, no século XIX, comumente associada a tumultos provocados pelos capoeiras ou por suas maltas. Artur Azevedo, na opereta O barão de

Pituaçu, narra a conversa de um capoeira:

José: — Não  é  partido  político,  não  sinhô. Como político,  eu sou republicano. É partido de capoeirage. Eu sou guaiamu.

Bermudes: — Tu é o quê, moleque do diabo? José: — Guaiamu,  legítimo guaiamu, de  princípios. Esse partido é a facção mais adiantada da flor da gente. Quando houver rolo, hei de convidar o Sinhô Bermudes.
Bermudes: — Apois. José: — Verá como eu sei entrar bonito. (Fazendo uns passes de capoeira.)
Bermudes:— Pra lá, moleque! [6]

A  mesma  conotação  parece  ter  a palavra rolo  em  Pernambuco,  no  século XIX, segundo  a  informação de Mário Sette:

Acompanhando o desfile das bandas musicais do Recife desde os primeiros anos da segunda metade do século XIX, o nosso capoeira era, no dizer de Mário Sette, figura obrigatória à frente  do c onjunto  "gingando, piruteando, manobrando cacetes e exibindo navalhas.  Faziam  passos  complicados, dirigiam pilhérias, soltavam  assobios agudíssimos, iam de provocação em provocação até que o rolo explodia correndo sangue e ficando os defuntos na rua". (Recife, Pernambuco, 2004).
No começo  do século XX  as notícias sobre  desordeiros  e  indisciplinados (neste último caso, soldados – das armas ou da polícia), armados  de  navalhas  é  constante.  A navalha, segundo  Melo  Morais  Filho, era  uma das armas preferidas pelos capoeiristas. A navalha  e  um cacete, que  nunca excede de cinqüenta  centímetros,  preso ao  pulso por uma  fina corda de linho, eram-lhe as armas prediletas, nunca fazendo uso das de fogo [7].

Dentre as notícias de portadores de navalha,  como arma, há a  de um  soldado “indisciplinado”  que foi preso em Sorocaba. Eis a notícia:

"Indisciplinado
Hontem,  pelas  4 e 45 da  tarde  o  praça do  destacamento  local  de  nome  Francisco  Cândido  dos  Santos, nº 111, da 4ª Companhia do 3º batalhão, sendo reprehendido pelo Commandante,  revoltou-se  contra este e, puchando  por  uma navalha, desafiou a todos que o prendessem. O Commandante, então, ordenou sua prisão o que foi conseguido a muito custo.

O soldado Marcos Antônio Moreira foi ferido com uma navalhada  pelo soldado indisciplinado.  O sr. dr. Delegado fez lavrar auto de prisão em flagrante e vae instaurar o competente processo" [8].
Na década de 1920 as notícias sobre a capoeira em Sorocaba aparecem com mais clareza, informando, com alguns detalhes, sobre a existência do jogo e da prática dessa luta.  Uma das publicações  nos  jornais  sorocabanos alerta para a existência de um barbeiro no início do  século XX, cujo  salão estava  localizado na  rua Direita  (hoje boulevard Doutor Braguinha), e que seria um “capoeira ‘desconjuntado’”. É esta a nota:

Assisti aos festejos do 13 de Maio. Estiveram assim...  Parabéns ao Daniel de Moraes,  a quem se deve o não ter ficado “em branco”, a data. Vendo passar os manifestantes, conduzidos pela palavra do Ramiro Parreira, vieram-me á mente scenas dos 13 de Maio de alguns annos atraz, uns 20 talvez, época em que tínhamos aqui diversos oradores fogósos entre os homens de côr. Destes o mais enthusiasmado e verborrhagico era o popular Benedicto Gostoso, mulato escuro, physionomia viva, cabello encaracolado e repartido “de banda”, capoeira “desconjuntado” e barbeiro de profissão.